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Breve História

Menino, quem foi teu Mestre?

Gilberto Reis Ferreira dos Santos Filho, o Mestre Barba Branca, nasceu em Caravelas - Bahia, no ano de 1956, e muda-se para a cidade de Salvador ainda em tenra idade, onde foi registrado. Mestre Barba Branca foi um consagrado mestre de Capoeira Angola que iniciou sua trajetória ainda criança (1967) com o Mestre Traíra, um dos mais notórios discípulos do Mestre Waldemar da Liberdade. Neste período, a família de capoeira de Mestre Waldemar não ministrava treinos de capoeira tal como conhecemos. Os momentos de treino e orientação eram durante a realização das próprias rodas. Mestre Traíra realizava uma pequena roda de capoeira no quintal de sua própria casa, na Rua do Céu, bairro da Liberdade, em Salvador. Esta roda era realizada apenas para um seleto rol de adultos e crianças convidados por Mestre Traíra, que já buscava criar o seu próprio legado para além da capoeira nas grandes rodas no Barracão de Waldemar, em frente à venda de Agnelo ou na academia de Mestre Sete Molas.  Mestre

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​Antes do horário de início de sua roda, Mestre Traíra visitava a casa do pequeno Gilberto para pedir autorização à sua mãe para que este pudesse se fazer presente na capoeira. Sua mãe, que tinha uma visão negativa sobre a capoeira, sempre recusava o convite de Mestre Traíra, obrigando o garoto Gilberto a fugir às escondidas para a casa de seu mestre, retornando somente à noite ao final da roda de capoeira (quando comumente apanhava de sua mãe após a chegada). E foi assim que o Mestre Barba Branca foi iniciado na Capoeira Angola, sob a orientação de Mestre Traíra e observando as grandes rodas da família de Mestre Waldemar (crianças não entravam nas rodas de rua).

Barba Branca lembrava a seus alunos que Mestre Traíra "sempre foi um homem muito educado, elegante, risonho mas que, quando era preciso, sabia fazer um olhar que fazia todo mundo calar. Era muito rápido na capoeira, pulava pra cá e pra lá, às vezes a pessoa não sabia onde ele estava quando jogava com ele". Em suas memórias, o mestre descrevia a roda de Mestre Traíra como "violenta, tinha muita cabeçada no rosto, rasteira... Muita gente saía machucada, por isso que minha mãe não me deixava ir. A roda acontecia no quintal da casa de Traíra, na terra batida mesmo. Tinha até galinha que ficava atravessando a roda no meio da gente".

Deste período, Mestre Barba Branca sempre guardou e cultivou muito carinho e boas memórias da família de capoeira de seu primeiro mestre, sempre contando histórias de Traíra, Cabelo Bom, Bom Cabelo, Bel, Del, Zacarias Boa Morte, Bigodinho, dentre outros grandes capoeiristas da Liberdade com quem teve a oportunidade conviver.

O encontro com mestre João Pequeno de Pastinha

Após a morte de Mestre Traíra, por volta de 1975, Barba Branca fica temporariamente desvinculado a um mestre até o ano de 1981, quando é acolhido no Centro Esportivo de Capoeira Angola - CECA pelo Mestre João Pequeno de Pastinha. Segundo diálogo do GCAC com Wagner, um dos irmãos de Barba Branca, apesar de ter ficado seis anos desvinculado de um mestre, Barba Branca jamais abandonou a prática da capoeira angola. Segundo Wagner, era comum vê-lo treinando capoeira e convidando amigas, amigos ou às vezes até os próprios irmãos para jogar capoeira ou tocar berimbau. Segundo o seu irmão, após sua família ter se mudado da Liberdade para o Pernambués, onde a cultura de luta era centrada na prática do boxe, Barba Branca não perdeu o vínculo com o bairro da Liberdade, local que sempre visitava para rever as rodas de capoeira e reencontrar antigos capoeiristas.​ Mas foi no Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), no Forte de Santo Antônio, sob os ensinamentos de Mestre João Pequeno, um dos mais antigos discípulos e sucessor de Mestre Pastinha, que o Mestre Barba Branca finalizou a sua formação. Apesar de já viver a capoeira há quase 15 anos, foi no CECA onde foi reconhecido enquanto mestre, no ano de 1992. Segundo o próprio Mestre Barba Branca, foi o João Pequeno de Pastinha quem o aprimorou: "eu já cheguei no Forte capoeirista, por causa da família de Seu Waldemar, mas foi o mestre João Pequeno quem me lapidou".

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Para Barba Branca, ter conhecido o Mestre João Pequeno foi como ter aberto a mente para a grande filosofia da capoeira angola. A ideia de luta, mas sem a agressão física entre os iguais, o ideário de união, respeito e organização comum entre os angoleiros e angoleiras, além da ideia de pensar e interpretar as dimensões da vida física e espiritual através da capoeira angola foram fundamentos adotados pelo Mestre Barba Branca a partir dos ensinamentos de Mestre João Pequeno de Pastinha. Foi no CECA onde teve a oportunidade também de fortalecer laços de amizade e capoeiragem com grandes nomes de seu tempo, como o seu grande amigo e companheiro Mestre Eletricista. Juntos, Mestre Barba Branca e Mestre Eletricista eram os mais antigos mestres formados no CECA e os dois grandes braços direitos do Mestre João Pequeno de Pastinha.​​

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Surge o Grupo de Capoeira Angola Cabula

Prezando pelo resgate da capoeira fora do eixo central da cidade, Mestre Barba Branca funda, em 1984, o Grupo de Capoeira Angola Cabula (GCAC), no Cabula, quando ainda era Contramestre, adotando como escudo do grupo uma obra cedida pelo pintor Carybé, por quem tinha grande amizade. O nome do grupo resgata a origem da palavra Cabula, de raiz Bantu, termo que por sua força alcunhou um dos mais antigos e notórios quilombos do mundo, situado na região denominada "miolo" de Salvador. ​Este quilombo foi responsável por uma complexa rede de solidariedade e resistência negra e indígena, que organizava a libertação e acolhimento de outros escravizados ou trabalhadores precarizados, insurgia em rebeliões contra as forças de repressão na Bahia e realizava saques da produção em grandes fazendas para distribuição livre de alimentos entre seus moradores. Além disto, o quilombo foi o responsável pela manutenção de uma forte presença cultural africana que reflete até hoje no quantitativo expressivo de terreiros, blocos de afoxé, grupos de capoeira e inúmeras organizações políticas comunitárias. Não à toa que a pesquisadora Rosali Braga Fernandes, em sua obra intitulada “Las políticas de la vivienda en la ciudad de Salvador y los processos de urbanización popular en el caso del Cabula”, de 2003, cita que “o primeiro registro baiano da palavra candomblé, designando um local de culto africano, foi em 1826, em um documento policial que se referia precisamente a um terreiro no Cabula”.

A parceria com Mãe Stella e o Ilê Axé Opô Afonjá

Seguindo a tradição de resistência do Cabula, em 1993, através de parceria com Mãe Stella de Oxóssi, Mestre Barba Branca inicia um importante trabalho de capoeira angola com crianças no São Gonçalo do Retiro, no Ilê Axé Opô Afonjá. O trabalho fazia parte de um grande projeto de educação popular orientado por Mãe Stella e foi no Afonjá onde se iniciaram na capoeira os atuais Mestre Olhos de Anjo e Mestre Saúva, além dos contramestres Barbeirinho, Rato e Mão Dez. Os relatos colhidos contam que Mãe Stella nutria um enorme carinho pelo Mestre Barba Branca e fazia questão de estar presente em muitas de suas atividades, acompanhando as crianças e suprindo as suas necessidades sempre que possível e necessário.

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A presidência da Associação Brasileira de Capoeira Angola

É na década de 90 também que Mestre Barba Branca, juntamente com os mais antigos e consagrados mestres de capoeira angola, funda e preside a histórica Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA). Durante a sua presidência, a ABCA viveu tempos áureos em que gozou de muito prestígio diante da comunidade, organizando eventos, reunindo a nata da capoeiragem baiana e estreitando laços nacionais e internacionais entre os capoeiristas.

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Capoeira Angola é caminho...

Entre o ano de 2001 até a data de seu falecimento, em novembro de 2021, Mestre Barba Branca iniciou trabalhos de capoeira em outros bairros da cidade pertencentes ao território do Cabula, como no Conselho de Moradores do Bairro de Engomadeira (COMOBE) num projeto no qual os seus discípulos promoviam ações de autogestão comunitária, formação de cooperativas e gerenciavam um curso pré-vestibular popular (Quilombo Cabula); e com crianças do Nsumbu Tambula Dicolia Meia Dandalunda (Terreiro São Roque), no bairro do Beiru.

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Seu legado transpôs, ainda, diversas fronteiras, fundando núcleos do GCAC na França (2003), nas cidades de Lyon, Grenoble e Ardèche, em Buenos Aires, na Argentina (2016), e em Montevideo, no Uruguai (2018). ​O Mestre Barba Branca, a partir de 2018, passa a desenvolver alguns problemas de saúde, que culminam no seu falecimento em 13 de novembro de 2021, mesma data de morte de Mestre Pastinha. Atualmente, o seu legado é continuado a partir da obra de seus discípulos, sobretudo do Mestre Olhos de Anjo, fundador do Grupo de Capoeira Angola Folha do Cajueiro; e do Mestre Saúva, a quem foi entregue pelo próprio Barba Branca a responsabilidade por dar continuidade ao GCAC.

Da descendência, dos frutos...

O Grupo de Capoeira Angola Cabula prevê, em sua hierarquia, o reconhecimento enquanto Capoeirista e Treinel, e os títulos de  Contramestre e Mestre.

Mestre Olhos de Anjo

Um dos alunos mais velhos, André Siqueira, o Mestre “Olhos de Anjo”, é o único remanescente da turma inicial que começou a treinar no condomínio Vale das Árvores, residência do Mestre Barba Branca. Seu ingresso se deu quando tinha entre 9 e 10 anos de idade no final da década de 1980. Mestre Olhos de Anjo é memória viva dos primeiros passos do Grupo de Capoeira Angola Cabula e da passagem do Mestre Barba Branca pela presidência da Associação Brasileira de Capoeira Angola na qualidade de sócio-fundador.Foi diplomado em evento realizado no ano de 2013. No entanto, um ano antes, já havia criado o Grupo Folha do Cajueiro Capoeira Angola, pelo qual perpetua o legado aprendido com seu Mestre. É Tata Xikarongoma

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depois, assume a coordenação geral do GCAC a próprio pedido de Barba Branca, que já encontrava-se adoecido. Com a morte de seu Mestre em 2021, Mestre Saúva assume a presidência do grupo com a missão de levar adiante o legado do GCAC. Hoje, permanece à frente das aulas no CHOPM I, trabalhando com crianças, adolescentes e adultos no território do Cabula. Mestre Saúva é professor de História, Sociologia e Filosofia das redes privada e pública de ensino, especialista em História Social e Econômica do Brasil pela Faculdade São Bento da Bahia, Mestre em História pelo Programa de História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) - Campus V.

Zaragosí, Bacharel em Direito, Graduando em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília (UBEC). Mestre Olhos de Anjo publicou dois e-books: “O vento que paira em nossas cabeças” (2022) e “Escritos: as Mulheres da Capoeira (2023)

Mestre Saúva

Roosevelt Leonel Cunha, mais conhecido como Mestre Saúva, deu os primeiros passos na capoeira ao ingressar na “Associação de Capoeira Angola Palmares” entre os anos de 1994 e 1995. Ainda em 1995, é apresentado ao Grupo de Capoeira Angola Cabula e passa a treinar com o Mestre Barba Branca, que já desenvolvia uma parceria com Mãe Stella no Ilê Axé Opô Afonjá. À medida que as responsabilidades aumentavam, Mestre Saúva foi crescendo na hierarquia do Grupo, formando-se Treinel (1999). Recebe a graduação de Contramestre em 2003 e, no ano seguinte, viaja à França, representando o Mestre Barba Branca no núcleo do Grupo em Lyon. Tornou-se o braço direito de Mestre Barba Branca, ajudando-o na organização e nas aulas do Grupo. Em 2016, é graduado Mestre e, dois anos

Contramestre do GCAC

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Atualmente, o único contramestre do Grupo de Capoeira Angola Cabula é o Contramestre Remi, conhecido no Brasil como Remilson. Francês, nascido da cidade de Lyon, passou a praticar a Capoeira Angola no início dos anos 2000, no Cabula. Teve uma grande experiência no Brasil, onde morou por alguns anos, tendo vivenciado as etapas do GCAC no Vale das Árvores, Pomar do Cabula, no COMOBE e no Terreiro de São Roque, com o Mestre Barba Branca e demais discípulos do GCAC. Remi, por todo o seu trabalho, dedicação e respeito aos fundamentos da capoeira angola, foi reconhecido como contramestre no ano de 2023, pelo Mestre Saúva. Contramestre Remi é responsável por coordenar os trabalhos do GCAC na França sob a orientação de Mestre Saúva.

Remanescentes

Outros grandes capoeiristas graduados no GCAC fazem parte também da antiga geração que iniciou na capoeira no Ilê Axé Opô Afonjá, juntamente com Mestre Olhos de Anjo e Mestre Saúva. São eles Cleverton Almeida, o Contramestre Barbeirinho, Valnei Santos, o Contramestre Rato, e Edson, o Contramestre Mão Dez. Juntamente com Édilo Filho, o Contramestre Ligeirinho, que iniciou na capoeira angola no início dos anos 2000, fundaram, após o falecimento de Mestre Barba Branca, o Grupo de Capoeira Angola Raízes do Cabula . 

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